segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Carta d@s Artistas pela vida da Juventude Negra das Periferias



Os políticos sabem que eu sou poetisa.
E que o poeta enfrenta a morte quando vê o seu povo oprimido.”
(Carolina Maria de Jesus) 

 
Excelentíssima Presidenta da República Senhora Dilma Rousseff, quem escreve são os/as sobreviventes de uma ditadura que ainda não acabou. Pois, os desaparecimentos forçados, a tortura institucionalizada e o assassinato em massa ainda são práticas cotidianas em nosso país. 

Quem mais sofre com isso é a juventude da periferia.Reconhecemos que muito embora nos últimos dez anos muitos direitos básicos tenham se tornado acessíveis para grande parte do povo brasileiro, há uma parcela considerável da população que segue invisibilizada e com muitos direitos violados.

No mês de junho, parte da população, em maioria jovem, foi às ruas das principais cidades brasileiras, indignada e cobrando direitos que vão além dos individuais. O espetáculo da violência e repressão experimentadas por alguns - e visto por tantos outros-, nos principais centros urbanos, não se resume à violência praticada pela polícia ali vivenciada.

É o cotidiano da vida nas periferias, vilas e favelas, porém com o emprego de projeteis de aço e não de balas de borracha. A polícia sobe o morro pra matar!

Da Candelária (RJ) ao Calabetão (BA), não “era só mais um Silva, que a estrela não brilha”1... eram e são vários chacinados por todo Brasil. O racismo que vitimiza negros jovens deixa um rastro de dor no país. Neste processo intensamente violento, quantos pais de família e pessoas que poderiam contribuir ao presente e ao futuro do país em diversas áreas do conhecimento e do trabalho teremos perdido? Quantos médicos, advogados, engenheiros, psicólogos, quantos atletas, cientistas e artistas estão sendo abatidos a cada dia em nossas periferias? Quantos Machados de Assis, Claras Nunes e Miltons Nascimentos deixaram de existir?

Muitos jovens das periferias têm sido brutalmente arrancados dos palcos da vida pela violência letal, perpetradas pelas mãos de diferentes agentes, alguns infiltrados nos três poderes, legitimados pela impunidade e pela omissão do Estado. Mas, a Memória e a Verdade sobre as execuções e o desaparecimento forçado destas pessoas ainda não está resolvida.

Não queremos ver nossa juventude humilhantemente abordada pela polícia, nem caminhando entre cápsulas de balas, nem dormindo e acordando ao som de tiroteios, nem encontrando corpos no caminho de casa. Não queremos viver perdendo amigos, vizinhos e parentes para o tráfico, milícias e polícias.

Queremos nossa juventude viva! Como demanda histórica dos movimentos sociais com os quais nos solidarizamos, assumir o combate à violência e à mortalidade juvenil negra em um programa de Governo é a concretização de uma importante conquista das forças populares, às quais vários de nós estamos ligados.

Queremos a ampliação e o fortalecimento de programas de enfrentamento à violência letal contra a juventude negra e periférica e que garantam o acesso à cultura, à educação e o trabalho. Reivindicamos apoio às famílias das vítimas e maior empenho nas investigações dos crimes contra a juventude.
Além do fortalecimento de auditorias e corregedorias nas polícias. Não basta a redução de indicadores sobre mortalidade, a juventude brasileira e suas famílias precisam de condições de cidadania e dignidade para seguir vivas.

1
Trecho da música Rap do Silva – autor MC Bob Rum (Relata o assassinato de um jovem trabalhador, anos 90) Destacamos o quanto o militarismo policial é nocivo e já atemporal, um verdadeiro reinado do horror e dacorrupção em nosso país. Reivindicamos a desmilitarização das polícias, diferente do que clamam telejornais sensacionalistas, sempre ávidos por mais prisões, enquadros e achaques. 
No lugar de investimentos em armamentos e construção de presídios, reivindicamos forte incentivo à educação e à cultura, sobretudo a negra em suas diferentes expressões.

A cultura negra na diáspora contribui para a configuração e reconfiguração das urbanidades contemporâneas. Abre espacialidades na vida social com o potencial de propiciar a produção, negociação e afirmação de valores, costumes, identidades e auto-estima. 

A cultura é possibilidade de humanização e contato com nossa ancestralidade. É possibilidade de acesso, fruição e ampliação de direitos.Permite também formar redes culturais e afetivas que podem ser compartilhadas, recriadas e fortalecidas.

Por isso é preciso valorizar os jovens em sua produção cultural nas quebradas e morros, reconhecer também a importância dos mestres da cultura popular e promover o financiamento da cultura jovem, negra, popular e periférica. Não podemos sustentar nossa arte ignorando o horror que se processa diante de nossos olhos contra a juventude negra brasileira, isso fere nossa poesia e a alma de todo o país. Acreditamos que a arte em suas múltiplas expressões pode colaborar na construção de outras trajetórias com mais vida e menos morte para toda população.

Que a luta por respeito e direitos não cesse enquanto não formos todos igualmente cidadãs e cidadãos. Uma vez que a arte é uma expressão da vida, frente a esta realidade de violência, a classe artística mais uma vez não se cala. Por isso, nós artistas brasileiros/as que assinamos esta carta, mobilizamos nossas vozes e consciências, e nos posicionamos contra o extermino e a favor da vida da juventude, sobretudo a juventude negra da periferia. Não podemos admitir que a juventude siga sendo criminalizada, presa, morta e culpabilizada pela violência que sofre todos os dias no nosso país.

Evandro Nunes
NEGRARIA – Coletivo de Artistas Negros/as. 

 
Anexo – Dados do extermínio da juventude negra 
 
Os dados apontam um crescente processo de encarceramento e extermínio da juventude brasileira. O
Brasil possui a 4ª. população carcerária do mundo e de acordo com dados do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Conselho Nacional de Justiça, em 20 anos esta população cresceu 251%. Apenas nos primeiro seis meses de 2012 o Brasil encarcerou 549.577 presos, são quase 35 mil detentos a mais que em dezembro de 2011.

Nas cadeias brasileiras há proporcionalmente um branco para cada 11 negros encarcerados, o que revela que a Justiça é racialmente seletiva. Vemos também que 73,83% do total da população carcerária brasileira é constituída por jovens de 18 a 34 anos, pobres, negros e com baixa escolaridade.

A gente sabe que este perfil é praticamente o mesmo do que o dos jovens que são
exterminados. Alguns de nós tem contato com esse público, pois também fazemos ações de reintegração
social para esta turma, por meio da cultura. Ou já estivemos no lugar deste público e tivemos oportunidades de mudar, é preciso acreditar que o resgate é possível.
O racismo que vitimiza negros jovens deixa um rastro de dor nas favelas e comunidades, também
cobra um alto preço do Brasil. A pesquisa “O custo da juventude perdida no Brasil”, do IPEA (2013), sobre a morte prematura de jovens devido às violências, mostra o cálculo de que o país perde cerca de R$ 79 bilhões a cada ano, ou seja, 1,5% do PIB Nacional.

O Mapa da violência de 2012 mostra que o número absoluto de vítimas brancas de homicídio caiu em
25,5% (de cerca de 18 mil para perto de 14 mil vítimas). Já os homicídios contra negros cresceram quase 30%, passando de 26 mil para quase 35 mil assassinados. As taxas de vítimas entre os jovens negros – 15 a 29 anos de idade – duplicam, ou mais, os da população total. Morrem, proporcionalmente, duas vezes e meia mais jovens negros que brancos.

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