“Os
políticos sabem que eu sou poetisa.
E
que o poeta enfrenta a morte quando vê o seu povo oprimido.”
(Carolina
Maria de Jesus)
Excelentíssima
Presidenta da República Senhora Dilma Rousseff, quem escreve são
os/as sobreviventes de uma ditadura que ainda não acabou. Pois, os
desaparecimentos forçados, a tortura institucionalizada e o
assassinato em massa ainda são práticas cotidianas em nosso país.
Quem mais sofre com isso é a juventude da periferia.Reconhecemos que muito embora nos últimos dez anos muitos direitos básicos tenham se tornado acessíveis para grande parte do povo brasileiro, há uma parcela considerável da população que segue invisibilizada e com muitos direitos violados.
Quem mais sofre com isso é a juventude da periferia.Reconhecemos que muito embora nos últimos dez anos muitos direitos básicos tenham se tornado acessíveis para grande parte do povo brasileiro, há uma parcela considerável da população que segue invisibilizada e com muitos direitos violados.
No
mês de junho, parte da população, em maioria jovem, foi às ruas
das principais cidades brasileiras, indignada e cobrando direitos que
vão além dos individuais. O espetáculo da violência e repressão
experimentadas por alguns - e visto por tantos outros-, nos
principais centros urbanos, não se resume à violência praticada
pela polícia ali vivenciada.
É
o cotidiano da vida nas periferias, vilas e favelas, porém com o
emprego de projeteis de aço e não de balas de borracha. A polícia
sobe o morro pra matar!
Da
Candelária (RJ) ao Calabetão (BA), não “era só mais um Silva,
que a estrela não brilha”1... eram e são vários chacinados por
todo Brasil. O racismo que vitimiza negros jovens deixa um rastro de
dor no país. Neste processo intensamente violento, quantos pais de
família e pessoas que poderiam contribuir ao presente e ao futuro do
país em diversas áreas do conhecimento e do trabalho teremos
perdido? Quantos médicos, advogados, engenheiros, psicólogos,
quantos atletas, cientistas e artistas estão sendo abatidos a cada
dia em nossas periferias? Quantos Machados de Assis, Claras Nunes e
Miltons Nascimentos deixaram de existir?
Muitos
jovens das periferias têm sido brutalmente arrancados dos palcos da
vida pela violência letal, perpetradas pelas mãos de diferentes
agentes, alguns infiltrados nos três poderes, legitimados pela
impunidade e pela omissão do Estado. Mas, a Memória e a Verdade
sobre as execuções e o desaparecimento forçado destas pessoas
ainda não está resolvida.
Não
queremos ver nossa juventude humilhantemente abordada pela polícia,
nem caminhando entre cápsulas de balas, nem dormindo e acordando ao
som de tiroteios, nem encontrando corpos no caminho de casa. Não
queremos viver perdendo amigos, vizinhos e parentes para o tráfico,
milícias e polícias.
Queremos
nossa juventude viva! Como demanda histórica dos movimentos sociais
com os quais nos solidarizamos, assumir o combate à violência e à
mortalidade juvenil negra em um programa de Governo é a
concretização de uma importante conquista das forças populares, às
quais vários de nós estamos ligados.
Queremos
a ampliação e o fortalecimento de programas de enfrentamento à
violência letal contra a juventude negra e periférica e que
garantam o acesso à cultura, à educação e o trabalho.
Reivindicamos apoio às famílias das vítimas e maior empenho nas
investigações dos crimes contra a juventude.
Além
do fortalecimento de auditorias e corregedorias nas polícias. Não
basta a redução de indicadores sobre mortalidade, a juventude
brasileira e suas famílias precisam de condições de cidadania e
dignidade para seguir vivas.
1
Trecho
da música Rap do Silva – autor MC Bob Rum (Relata o assassinato de
um jovem trabalhador, anos 90) Destacamos
o quanto o militarismo policial é nocivo e já atemporal, um
verdadeiro reinado do horror e dacorrupção
em nosso país. Reivindicamos a desmilitarização das polícias,
diferente do que clamam telejornais sensacionalistas, sempre ávidos
por mais prisões, enquadros e achaques.
No lugar de investimentos em armamentos e construção de presídios, reivindicamos forte incentivo à educação e à cultura, sobretudo a negra em suas diferentes expressões.
No lugar de investimentos em armamentos e construção de presídios, reivindicamos forte incentivo à educação e à cultura, sobretudo a negra em suas diferentes expressões.
A
cultura negra na diáspora contribui para a configuração e
reconfiguração das urbanidades contemporâneas.
Abre espacialidades na vida social com o potencial de propiciar a
produção, negociação e afirmação de valores, costumes,
identidades e auto-estima.
A cultura é possibilidade de humanização e contato com nossa ancestralidade. É possibilidade de acesso, fruição e ampliação de direitos.Permite também formar redes culturais e afetivas que podem ser compartilhadas, recriadas e fortalecidas.
A cultura é possibilidade de humanização e contato com nossa ancestralidade. É possibilidade de acesso, fruição e ampliação de direitos.Permite também formar redes culturais e afetivas que podem ser compartilhadas, recriadas e fortalecidas.
Por
isso é preciso valorizar os jovens em sua produção cultural nas
quebradas e morros, reconhecer também a importância dos mestres da
cultura popular e promover o financiamento da cultura jovem, negra,
popular e periférica. Não podemos sustentar nossa arte ignorando o
horror que se processa diante de nossos olhos contra a juventude
negra brasileira, isso fere nossa poesia e a alma de todo o país.
Acreditamos que a arte em suas múltiplas expressões pode colaborar
na construção de outras trajetórias com mais vida e menos morte
para toda população.
Que
a luta por respeito e direitos não cesse enquanto não formos todos
igualmente cidadãs e cidadãos. Uma vez que a arte é uma expressão
da vida, frente a esta realidade de violência, a classe artística
mais uma vez não se cala. Por isso, nós artistas brasileiros/as que
assinamos esta carta, mobilizamos nossas vozes e consciências, e nos
posicionamos contra o extermino e a favor da vida da juventude,
sobretudo a juventude negra da periferia. Não podemos admitir que a
juventude siga sendo criminalizada, presa, morta e culpabilizada pela
violência que sofre todos os dias no nosso país.
Evandro
Nunes
NEGRARIA
– Coletivo de Artistas Negros/as.
Anexo
– Dados do extermínio da juventude negra
Os
dados apontam um crescente processo de encarceramento e extermínio
da juventude brasileira. O
Brasil
possui a 4ª. população carcerária do mundo e de acordo com dados
do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema
Carcerário do Conselho Nacional de Justiça, em 20 anos esta
população cresceu 251%. Apenas nos primeiro seis meses de 2012 o
Brasil encarcerou 549.577 presos, são quase 35 mil detentos a mais
que em dezembro de 2011.
Nas
cadeias brasileiras há proporcionalmente um branco para cada 11
negros encarcerados, o que revela que a Justiça é racialmente
seletiva. Vemos também que 73,83% do total da população carcerária
brasileira é constituída por jovens de 18 a 34 anos, pobres, negros
e com baixa escolaridade.
A
gente sabe que este perfil
é praticamente o mesmo do que o dos jovens que são
exterminados.
Alguns
de nós tem contato com esse público, pois também fazemos ações
de reintegração
social
para esta turma, por meio da cultura. Ou já estivemos no lugar deste
público e tivemos oportunidades de mudar, é preciso acreditar que o
resgate é possível.
O
racismo que vitimiza negros jovens deixa um rastro de dor nas favelas
e comunidades, também
cobra
um alto preço do Brasil. A pesquisa “O custo da juventude perdida
no Brasil”, do IPEA (2013), sobre a morte prematura de jovens
devido às violências, mostra o cálculo de que o país perde cerca
de R$ 79 bilhões a cada ano, ou seja, 1,5% do PIB Nacional.
O
Mapa da violência de 2012 mostra que o número absoluto de vítimas
brancas de homicídio caiu em
25,5%
(de cerca de 18 mil para perto de 14 mil vítimas). Já os homicídios
contra negros cresceram quase 30%, passando de 26 mil para quase 35
mil assassinados. As taxas de vítimas entre os jovens negros – 15
a 29 anos de idade – duplicam, ou mais, os da população total.
Morrem, proporcionalmente, duas vezes e meia mais jovens negros que
brancos.
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